Em nosso terceiro texto pudemos compreender ao menos algumas das exigências do discipulado de Jesus Cristo. Se é verdade que somos salvos pela graça, também é verdade que se trata de uma graça exigente.
Nesse sentido, precisamos compreender que Jesus tinha em seu discipulado alguns objetivos gerais. Esses objetivos gerais do discipulado de Jesus podem ser divididos em:
- Objetivos cognitivos: estes incluindo grau de conhecimento e entendimento necessários para uma boa capacitação para o serviço;
- Objetivos afetivos: ligados às emoções dos discípulos, bem como aos posicionamentos e às marcas do caráter de cada um deles; e, por fim;
- Objetivos pragmáticos: tratando das habilidades práticas para o ministério.
Não lemos em nenhum lugar do Novo Testamento que Jesus teve a pretensão de formar uma espécie de elite para que fossem os “líderes de igreja”. A capacitação na igreja tem o caráter de produzir líderes-servos e não líderes-de-servosi. Sua preocupação estava muito mais focada em formar servos para que essas pessoas doassem as suas vidas em benefício de outros com afetuosa dedicação.
A essência do treinamento de Jesus consistia no desenvolvimento do caráter de seus discípulos e em que tipo de pessoas eles deveriam se tornar. Os discípulos só estariam aptos a continuar o ministério que Jesus havia iniciado depois de terem sido renovados interiormente. No treinamento de Jesus, características como confiança, intrepidez e compaixão eram muito mais importantes do que a capacidade de fazer uma boa pregação. Sua prioridade estava nos objetivos afetivos.ii
O objetivo da obtenção de aprendizagem na área afetiva é a identificação do sistema de valores, com os modelos de comportamento e atitudes. Esse tipo de aprendizagem atua sobre a vida interior visando uma modificação do caráter, que refletirá no comportamento exterior. Um programa de treinamento para conselheiros espirituais, por exemplo, poderá vir a ser deficiente se ele não abordar e tratar de forma consciente a atitude do conselheiro diante da pessoa que busca ajuda.
Martens afirma que reações “emocionais são aprendidas, isto quer dizer, adquiridas em até 99%. Apenas bem poucas das reações emocionais são inatas. A partir disso, podemos deduzir que essas reações emocionais também podem ser desaprendidas; também poderíamos dizer que elas podem ser aprendidas como algo novo e reaprendidas com uma nova direção”. Estamos falando aqui dos objetivos afetivos da aprendizagem.iii
Os discípulos também precisavam entender a verdade do Reino de Deus para que pudessem transmiti-la. Eles tiveram que adquirir inclusive, um modo de pensar totalmente novo, tendo em vista o fato de que o ensinamento oferecido por Jesus era totalmente diferente daquele oferecido pelos mestres da lei. Os discípulos tinham que entender as verdades libertadoras de Jesus, que eram o principal foco de suas pregações “e conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará” (Jo 8.32). O vocábulo “conhecereis” nessa passagem, corresponde ao grego ginosko, que significa aprender, entender, obter conhecimentoiv. Ginosko é o conhecimento que tem um início, um progresso e a obtenção de algo. É o reconhecimento da verdade mediante experiência pessoal.v
Os objetivos cognitivos da aprendizagem englobam o saber, o processo do pensamento e as habilidades intelectuais. Estes objetivos podem ser compreendidos por nível de intensidade: conhecimento e entendimento, transferência e aplicação prática, análise de situações e capacidade de julgamentos. Para a grande maioria dos objetivos de treinamento, a transmissão de determinados conhecimentos básicos, o estímulo à reflexão e o desafio para uma explanação e um relacionamento autônomo com a temática são pré-requisitos para alcançar os objetivos afetivos que conduzam à prática.vi
Os discípulos de Jesus teriam que continuar o ministério por ele iniciado. Por isso, estavam também incluídos objetivos práticosvii em seu programa de treinamento. Os discípulos deveriam ser instruídos e orientados nos diferentes ministérios. Interessante é que o ensinamento verbal dado por Jesus tinha bem poucas instruções do tipo: “É assim que se faz”. Não lemos nada acerca de instruções de como os discípulos fariam para preparar uma pregação ou de como poderiam conduzir uma conversa de aconselhamento. Jesus utilizava métodos totalmente diferentes da instrução verbal, para alcançar os objetivos práticos do treinamento.
Os objetivos práticos referem-se ao desenvolvimento e ao aprofundamento de habilidades e capacidades práticas em um determinado campo da ação. Grande parte das pessoas que participam de treinamentos no âmbito eclesiástico possui apenas pouco tempo, às vezes pouco interesse, para acumular apenas conhecimento teórico. Às vezes, a pergunta que trazem em suas mentes é “O que o treinamento me trará?”.
Para um desenvolvimento eficaz dos dons, uma boa capacitação para o serviço na igreja local e para o exercício do ministério, torna-se imprescindível uma combinação entre a teoria necessária, as habilidades psicomotoras, as sensibilidades interpessoais e as atitudes de caráter.
Na próxima reflexão abordaremos os objetivos específicos do ensino de Jesus. Em seguida nos concentraremos na questão da capacitação no âmbito da igreja local propriamente dita. Após uma conceituação de capacitação, faremos uma abordagem de alguns pressupostos, suas vantagens, exigências e abrangência. Demonstraremos o papel do pastor nessa capacitação. Trataremos também da dimensão espiritual, uma abordagem ao ciclo completo da capacitação, desde a constatação das necessidades, os objetivos, a elaboração e execução dos planos de estudo, as avaliações, o acompanhamento que se faz necessário. Trataremos do acompanhamento tão importante na vida do discípulo e terminaremos com o processo de multiplicação, objetivo final da capacitação do autêntico discípulo.
i STEVENS, R.P. A hora e a vez dos leigos. São Paulo: ABU Editora S/C. 1998. p. 78.
ii OTT, C. Treinando Obreiros: Princípios Bíblicos, Conselhos Didáticos, Modelos Práticos. Curitiba: Editora Esperança, 2004. p. 32
iii Apud OTT, C. Treinando Obreiros: Princípios Bíblicos, Conselhos Didáticos, Modelos Práticos. Curitiba: Editora Esperança, 2004. p. 73
iv TAYLOR, W. C. 1886-1971. Dicionário do Novo Testamento grego. 10. Ed. Rio de Janeiro: JUERP, 1991. p. 49.
v BÍBLIA. Português. Bíblia de Estudo Plenitude. Versão Revista e Corrigida da Tradução de João Ferreira de Almeida. São Paulo: Sociedade Bíblica do Brasil, 1995. p. 1082.
vi OTT, C. Treinando Obreiros: Princípios Bíblicos, Conselhos Didáticos, Modelos Práticos. Curitiba: Editora Esperança, 2004. p. 72.
vii Voltado para objetivos práticos. Dicionário Eletrônico Houaiss da língua portuguesa. Versão 1.0.7. – setembro de 2004.