O Discipulado de Jesus e a Capacitação na Igreja Local

Capacitação é o meio do qual podemos nos utilizar para tornar alguém apto para realizar uma ou várias tarefas específicas. No contexto da igreja local, capacitação pode significar a edificação ou preparação dos discípulos de Jesus. Esta preparação visa equipá-los para que eles se tornem discípulos aptos a exercer o serviço cristão. De igual modo, a capacitação visa ajudá-los a desenvolver os seus dons para que a Igreja seja edificada. Não se trata, em primeiro lugar, de firmar discípulos recém convertidos, ainda que o crescimento espiritual dos participantes seja parte integrante e fundamental de qualquer treinamento para capacitação no âmbito da igreja local.

É importante ressaltar que o conceito de capacitação, aqui utilizado, engloba muito mais do que a simples transmissão do conhecimento. A capacitação deve ser muito mais abrangente do que um treinamento escolar alcança. Na capacitação para o serviço da Igreja, o discípulo deve ser visto e incluído como um todo. Trata-se, dessa forma, de um verdadeiro desenvolvimento de pessoas para que elas possam atuar no campo do cristianismo prático. As pessoas capacitadas para o serviço deverão tornar-se aptas a desenvolver as suas tarefas especiais com maior eficácia para que a igreja local seja edificada.[1]

No evangelho segundo João (20.21b) podemos ler a seguinte expressão “assim como o Pai me enviou, eu também vos envio”. São palavras de Jesus. Faz parte do chamado de cada cristão, servir ao corpo de Cristo com o dom que lhe for dado. Deus dá a cada discípulo dons e talentos que servem para a edificação da Igreja e para testemunho perante o mundo:

Servi uns aos outros, cada um conforme o dom que recebeu, como bons despenseiros da multiforme graça de Deus. Se alguém falar, fale segundo as palavras de Deus; se alguém administrar, administre segundo o poder que Deus dá, para que em tudo Deus seja glorificado por Jesus Cristo, a quem pertence a glória e o poder para todo o sempre. Amém! (1 Pe 4.10,11)

A igreja local deve planejar e se engajar a não se contentar simplesmente em levar pessoas à conversão e a uma consolidação na fé; deve, sobretudo, ajudá-las a descobrir, desenvolver e aplicar os seus dons. Na carta aos Efésios (4.11,12) encontramos o seguinte registro: “E ele  mesmo concedeu uns para apóstolos, outros para profetas, outros  e outros para pastores e mestres, com vistas ao aperfeiçoamento dos santos para o desempenho do seu serviço, para a edificação do corpo de Cristo”.

Com base no texto citado acima, fica claro e evidente que o objetivo primário do corpo de líderes da igreja local é “aperfeiçoar os santos” para o desempenho do seu serviço. A Igreja é um povo de servos, um povo do reino, um povo dotado, contemplado com dons e graças multiformes de ministério. Na Bíblia, os leigos são todo o povo de Deus – tanto o clero como o “laicato” (“leigo” significa literalmente “do povo” e vem do termo laos, “povo”).

É, pois, responsabilidade primeira dos líderes da igreja, bem como a preocupação de cada membro, que todos os santos sejam equipados para o seu ministério. Uma identidade e uma prioridade totalmente novas precisam ser encontradas tanto por pastores como por “leigos”.[2]

Nenhuma pessoa seria capaz de sozinha, incorporar todos os dons ministeriais dados por Deus para a Igreja. Não há uma pessoa que possa ser um preparador “onicompetente” de discípulos. Essa deve ser uma tarefa coletiva.[3]

Hoje, apenas algumas poucas igrejas possuem diretrizes para a capacitação dos discípulos para o serviço. Existem de fato, testes que ajudam os discípulos a descobrir os seus dons. O que quase não se vê é a ajuda necessária para que esses discípulos possam desenvolver esses dons. Pastores e dirigentes das igrejas muitas vezes se queixam da falta de obreiros capacitados. Pode ser que o motivo não esteja tanto na falta de disposição para o serviço, e sim na falta de oferta de programas adequados para a capacitação dos discípulos na prática do desenvolvimento de seus dons.[4]

Grande parte dos programas de capacitação existentes hoje tem por objetivo a formação e o preparo do participante de forma individual. Uma pessoa recebe o treinamento específico e se torna apto para ser um líder qualificado de igreja. Dessa forma, muitas vezes negligencia-se o sentido maior da capacitação: “A manifestação do Espírito é concedida a cada um visando a um fim proveitoso” (1 Co 12.7). Oswald Sanders, citado por Ott, declara “Se nos empenharmos em formar uma classe de líderes, provavelmente iremos criar um grupo de intelectuais impacientes, ambiciosos e insatisfeitos”. Sanders acrescenta: “não estamos à procura de ‘líderes’, mas de ‘servos’”.

Quando isso não está em primeiro plano, o propósito da capacitação pode tornar-se perigoso. Somente um elo resistente entre a capacitação e as reais necessidades da igreja, junto com uma inabalável disposição dos discípulos em se empenhar pelo seu sucesso conduzem à formação de “servos” e não de “líderes”. Pessoas que não olhem os outros de cima para baixo e que não queiram se exaltar sobre os outros. No discipulado de Jesus Cristo, a liderança cresce ao lado da servidão: “…quem quiser tornar-se grande entre vós, será esse o que vos sirva; e quem quiser ser o primeiro entre vós será vosso servo”(Mt 20.26,27).[5]

 

Sandro Pereira


[1] OTT, C. Treinando Obreiros: Princípios Bíblicos, Conselhos Didáticos, Modelos Práticos. Curitiba: Editora Esperança, 2004. p. 13-14.

[2] STEVENS, P. A Hora e a vez dos leigos. São Paulo: ABU Editora S/C, 1998. p. 16.

[3]Idem, p. 17.

[4] OTT, C. Idem, p. 12-13.

[5]Idem, p. 23-24.

 

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